A Lúcia.
Tem 20 anos e estuda marketing e publicidade.
Perdeu a mãe muito cedo e até cerca dos 4 anos viveu ao cuidado do pai (com problemas de alcoolismo).
Foi retirada do seu meio natural de vida por falta de cuidados básicos e vivência de episódios de maus-tratos.
A partir dos 4 até aos 12 anos viveu em instituições de acolhimento – em seis instituições diferentes, para ser mais precisa.
Encontrou nas instituições condições de segurança e os cuidados básicos necessários ao seu crescimento e desenvolvimento – alimentação, cuidados de higiéne, habitação, bens materiais essenciais (roupa e outros), acesso à escola e a serviços de saúde. Mas reconhece que lhe faltou a afetividade e o acompanhamento “corpo a corpo” de alguém que se preocupa connosco e com o nosso espaço de desenvolvimento pessoal e social de forma dedicada.
Dos 12 anos até aos 17, pensava que tinha sido adotada, mas estava a viver numa familia de acolhimento. Descobriu este fato quando foi convidada a sair (para não utilizar o termo expulsa) de sua casa e ficou sem teto e sem chão (e sem muitas outras coisas de que, afinal, as crianças precisam). Viveu durante este período numa certa posição de “inferioridade” dentro da família e algumas situações de maus tratos.
Tem dois irmãos pelas leis da biologia e teve um irmão e uma irmã emprestados durante o acolhimento.
Aos 18 anos foi adotada. Agora tem três irmãos pela lei do amor, um pai e uma mãe, e uma família alargada muito próxima.
Foi numa resposta social de férias e lazer que criou as suas referências e moldou os seus padrões. Foi num campo de férias que conheceu a sua mãe. E nós estamos por trás disso – eu e VOCÊ!
Hoje falo da Lúcia. Hoje falo de uma medida que é fundamental e que, no caso da Lúcia, lhe permitiu encontrar aquele que é o amor perfeito! Onde devem ser assegurados todos cuidados revestidos de um imenso amor que é estruturante para a formação de cada um de nós. A afectividade de uma família, onde existimos com sentido de pertença, onde sentimos a preocupação connosco, onde nos desenvolvemos enquanto indíviduo e também na relação com os outros, onde temos a liberdade de errar e continuar a ser amados. É isto que a Lúcia mais valoriza, naquilo a que chamou de “sorte”, e eu chamaria de família!
Nem tudo é fácil para estas crianças que estão na esfera do cuidado público, seja em instituição ou em famílias de acolhimento, como aliás alguns dados e fatos revelam. A Lúcia, fez parte deste grupo, para quem muito podia ter corrido melhor. Algumas dificuldades foram surgindo e sendo ultrapassadas. Foi de coração apertado que ouvi este relato, de uma adolescente forte, que reconhece que na infância não chegou a conhecer e experimentar a família da forma certa – “eu, na altura, achei que era suposto ser assim”. Não sei se há formas certas, mas há, certamente, umas formas melhores que outras.
Mas não são estas as questões que hoje aparecem nesta história. O que contamos aqui, é como este caminho acabou por lhe abrir a porta para uma vida em família. Não tenho dúvidas que muitas coisas marcaram a Lúcia e que, infelizmente, nem todas essas coisas foram boas. Mas há algo que se destaca por um brilho no olhar, pela esperança que significou durante muito tempo, e pelo porto de abrigo em que se transformou hoje!
Uma resposta social simples que eu não contei referir tão cedo, mas que se me apresentou como incontornável nesta história. Não é afinal uma necessidade importante para o desenvolvimento infantil a de lazer?! O tempo para quebrar a rotina e através do qual estabelecemos o nosso equilíbrio físico, psicológico e social. No caso da Lúcia foi isso e ainda mais.
O acesso a uma resposta de férias e lazer, destinada a crianças de instituições, foi fundamental para o seu equilibrio. As estadias fora da sua rotina, em contacto com pessoas e espaços diferentes, foram para a Lúcia momentos de referência. Criou relações afetivas. Tinha modelos que queria seguir. Para ela, aqueles animadores e animadoras dos campos de férias, eram verdadeiramente aquilo que ela gostava de vir a ser. Sentia-se mais integrada por os conhecer e saber que aquelas eram as suas referências. Foi nas relações que construiu com estas pessoas que identificou um recurso de apoio que lhe permitiu, hoje, ter uma família da “forma certa”. Foi adotada por uma voluntária e pela sua família. Hoje a Lúcia está na universidade, tem três irmãos, um pai e uma mãe (sem esquecer os avós, tios e primos). Hoje a Lúcia sente que pode pensar em si e no seu processo de desenvolvimento. Hoje a Lúcia sente que pode errar e não faz mal. Hoje a Lúcia sente que, finalmente, está a experimentar o que realmente deve ser uma família. Foi tarde, mas não foi tarde de mais!
É uma surpresa agradável quando percebemos que uma resposta social que parece tão simples, foi a âncora de todo este caminho. Outras histórias serão diferentes. Podemos ler nas entrelinhas muitas debilidades no sistema de promoção e proteção à criança que temos. Mas nesta história queremos que perceba a importância destes mecanismos e do que cada um assegura. Neste post festejamos a existência de respostas que promovem atividades de férias e lazer para crianças em situação de acolhimento institucional.
São histórias de vida reais e NÓS estamos por trás disto!